Hospedaria ou lar?

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Ela ouviu uma batida na porta. Êxtase. Dessa vez ela queria fazer dar certo. Muitas vezes ela já O havia chamado para morar ali, mas depois de um tempo, Ele sempre ia embora. Alguma coisa ficava… Sempre deixava alguma lembrança. Contudo, ela não queria lembranças, queria Ele.

Ao atender a porta, destrancou diferentes tipos de fechadura que possuía e O conduziu para a sala. Ver aquele sorriso caloroso trouxe toda a alegria que ela sentia falta. Eles se abraçaram, choraram, ela contou todas as histórias e Ele — como sempre— deu os melhores conselhos.

Com o passar dos dias, ela se sentiu um pouco mais distante e percebeu que Ele estava com as malas prontas na porta. Sem entender, foi questioná-Lo e pedir para que não fosse embora. A resposta foi inesperada:

—Você não me quer aqui.

—Como assim? Eu te amo, Você é o amor da minha vida, eu sempre vou querer ter Você comigo. — disse assustada com o que havia escutado.

— Minha querida, desde que cheguei estou na sala. Tentei entrar em todos os quartos e estavam trancados. Quando pedi para que os destrancasse e esclareci que Eu colocaria tudo no lugar, você me respondeu que ainda não estava pronta para abrir.

— Mas Você não entende? Sabe que sofri muito nessa vida e tenho muitos traumas, feridas… Isso tudo ainda dói muito e eu não quero passar por tudo novamente — respondeu angustiada ao lembrar de cada ferida.

—Eu sei. Também sei que cada dia, novos quartos aparecem e cada vez mais trancas encontram lugar aqui. No entanto, preciso te lembrar que sou o EU SOU. Eu posso curar suas feridas, seus traumas, seus receios. Quero morar no seu coração e preciso da liberdade de entrar nos quartos escuros e trancafiados, preciso que confie em mim.

— Mas Você já não sabe de tudo? Por que preciso abrir para que me cure?

— Meu amor, abrir um quarto desses é um gesto de confiança e fé. Eu só posso trabalhar em você se for pela fé. Te dei a graça e o que te peço para fazer esse relacionamento dar certo é Fé.

Suas lágrimas retidas jorraram. Com a ajuda Dele, pegou seu molho de chaves e iniciaram o longo trajeto de abrir portas e colocar as coisas em seu devido lugar. Ainda não se findou as travas, às vezes ela foge, mas Ele sempre está lá para ela — sabe que um dia, todos os quartos estarão destrancados.

Amado Leitor, já foi renovado espiritualmente e se viu esfriando com o tempo? Já entregou tudo para o Senhor e logo se viu no controle de sua vida sem Ele? E alguma vez você disse que O amava e logo se viu amando tudo, menos a Ele? É disso que se trata essa narrativa. Sobre uma pessoa falha como todos nós que se entregou ao Senhor, mas muitas vezes ainda foge da transformação — por medo e fraqueza.

A vida cristã não é perfeita e sempre constante, ela se baseia na perseverança. Dores e falhas são inerentes a nossa natureza humana. Entretanto, a despeito de nossos rudimentos mundanos (Gl 4:3; Cl 2:20), Ele se mostra maior que tudo isso. Não duvide do amor, nem do poder que só Ele possui para sarar todas as suas feridas — mesmo que pareçam incuráveis (Is 53:4-5).

Talvez haja um pesar de que render-se ao Senhor e logo tomar o controle de sua vida para si repetidamente seja inútil. Na verdade, o livro de levítico mostra que ao oferecer um sacrifício para Deus, ele não pode ser revogado por completo (Lv 27:13, 15, 19). Como oferta para o Senhor (Rm12:1), lembre-se que ao se consagrar,  mesmo que queira fugir, parte de você já é Dele. Cada vez que se coloca como um sacrifício, um quinto fica no altar de Cristo. Portanto, quarto por quarto, um dia Ele terá a liberdade digna de um morador dentro do seu coração.

Meu desejo é que de lembrança em lembrança o Senhor consiga lotar o nosso coração, que cada vez mais nosso ser abandone o caráter de hospedaria e os períodos de estadia de Cristo sejam mais longos. E que, um dia, Jesus possa fazer de nós um lar.