Tudo que existe espera

Pelo que era,

Que era,

E há de vir.

(Banda Resgate)

 

             Era um lindo dia de sol. Após dois dias inteiramente nublados, o céu se revelou menos ranzinza nas praias de Ubatuba. Assim, minha família e eu pudemos desfrutar de forma ainda mais interessante do litoral paulista.

             O azul do mar, um brilhoso céu, a costa sendo rabiscada por avanços e recuos de uma vegetação bem hidratada e verde – era o suspiro que eu estava precisando após um último ano corrido de faculdade.

             Num dado momento, estando na água, virei-me para a praia, ficando de costas para o mar. Distraída, não pensava muito a respeito de nada, só estava aproveitando cada sensação e a visão da natureza radiante debaixo do sol, até que veio uma onda não grande demais, porém mais forte do que a média aritmética referente à força das ondas do dia inteiro até aquele momento.

             Daquele jeito que só o mar sabe fazer, de mostrar que muita força é uma brincadeira de criança para ele, a onda me roubou o oxigênio, minha dignidade (o óbvio, quem já levou um caldo sabe como é), levou meu chapéu, o qual não foi muito longe, por causa de uma cordinha branca que o pendurava no meu pescoço e, especialmente, meus óculos. Meus óculos de grau.

             Você não está entendendo. Primeiro, sim, eu uso óculos em todos os lugares, se puder fazê-lo. Tenho dois problemas de visão relativamente acentuados e, por isso, usá-los melhora a qualidade de tudo que olho. Fiquei sem meus óculos, consequentemente, a experiência especial reservada nos detalhes me foi retirada junto.

             Daí para frente o resumo é o seguinte: após três horas em que minha família e eu ficamos procurando na parte rasa da praia – depois de orar bastante com minha mãe, depois do meu primo de dez anos notificar outra família para que ficasse atenta caso sentisse algum objeto na areia (sim, fofo), depois de minha tia ficar cantando para o mar “traz de volta já o que uma vez foi meu, uma vez foi meu” (se você não pegou a referência, está precisando de mais Disney em sua vida, pequeno gafanhoto) –, encontramos. Aliás, foi a família de banhistas próxima a nós que os encontrou.

             Serviu como uma boa experiência de oração e terminantemente um recado de nunca mais banhar no mar com meus óculos de grau.

             No entanto, os óculos estavam bastante embaçados. A areia arranhou as lentes. Depois das três horas sendo jogados de um lado para o outro no fundo da água, o resultado foi a formação de manchas brancas de tantos arranhões, riscando especialmente o centro das lentes. Minha visão full HD da vida tinha ido para o beleléu.

             Há muito tempo, as lentes pelas quais os seres humanos percebem a vida foram arranhadas. Foram integralmente danificadas. Não é como se não pudessem mais enxergar, seguimos enxergando, mas de modo deturpado, uma nova forma corrompida.

Trata-se de um incômodo constante, assim que acordamos já é possível percebê-lo. É possível acostumar-se por certo tempo a cada dia, mas nunca completamente e é impossível ignorá-lo intensa e especialmente quando se olha para a Luz.

Como Emílio Garofalo comentou em seu livro “Isto é filtro solar”, todos nós sabemos e percebemos que, embora belíssimo, há algo terminantemente errado com o mundo em que vivemos.

Há alguns milênios o pecado entrou na humanidade. O que era sem mácula ficou permeado de falhas. Um problema quase incorrigível se instalou. A percepção que temos do que nos cerca mudou impreterivelmente, assim como a forma como nos comportamos nele e o modo que tratamos uns aos outros.

O pecado entrou, alterando a forma como vemos o mundo. Além disso, o cenário formado a partir do crivo da nossa visão, a própria criação, não é mais íntegra, em sua própria imagem há corrupção, tanto é que ela clama, arde em expectativa (Rm 8:19-22) pelo que há de vir: novos céus e nova terra, nos quais não haverá mais choro, nem pranto, ou dor, nem morte (Ap 21:1-6). O Senhor Deus restaurará todas as coisas, as lentes inerentes ao nosso mundo atual serão retiradas (os elementos, abrasados, serão desfeitos – 2 Pe 3: 7-12), poderemos ver nitidamente e a criação será plena novamente, nela habitará justiça (2 Pe 3:13).

Enquanto isso, enquanto se vive o aqui e agora, nunca se acostumar com a visão embaçada e chamuscada da vida é um exercício vital. Olhar para a Luz de nossas almas nos dá esperança pelo que há de vir, faz-nos encarar o incômodo com mais tranquilidade e mansidão, reconhecendo nitidamente os erros que os arranhões causam no cenário que nos cerca e em nós mesmos, fazendo-nos ansiar pela vida em sua plenitude, quando haveremos de ver o Senhor como Ele é (1 Jo 3:2).

Então, temos uma missão, cabe-nos hoje seguir o que nos é ensinado em 2 Pedro 3:11-13:

“Visto que todas essas coisas hão de ser assim desfeitas, deveis ser tais como os que vivem em santo procedimento e piedade, esperando e apressando a vinda do Dia de Deus, por causa do qual os céus, incendiados, serão desfeitos, e os elementos, abrasados se derreterão. Nós, porém, segundo a sua promessa esperamos novos céus e nova terra, nos quais habita justiça”.

Maranata! Ora vem, Senhor Jesus!

Através de lentes cheias de manchas brancas, fique com mais um vislumbre do que há de vir:

“Vi novo céu e nova terra, pois o primeiro céu e a primeira terra passaram, e o mar já não existe. Vi também a cidade santa, a nova Jerusalém, que descia do céu, da parte de Deus, ataviada como noiva adornada para o seu esposo. Então, ouvi grande voz vinda do trono, dizendo: Eis o tabernáculo de Deus com os homens. Deus habitará com eles. Eles serão povos de Deus, e Deus mesmo estará com eles. E lhes enxugará dos olhos toda lágrima, e a morte já não existirá, já não haverá luto, nem pranto, nem dor, porque as primeiras coisas passaram.

E aquele que está assentado no trono disse: Eis que faço novas todas as coisas. E acrescentou: Escreve, porque estas palavras são fiéis e verdadeiras. Disse-me ainda: Tudo está feito. Eu sou o Alfa e o Ômega, o Princípio e o Fim. Eu, a quem tem sede, darei de graça da fonte da água da vida” (Ap 21:1-6).