Ao escrever a Timóteo, em certa altura, Paulo lhe diz “ninguém despreze a tua mocidade; pelo contrário, torna-te padrão dos fiéis, na palavra, no procedimento, no amor, na fé, na pureza”. Esse versículo costuma ser muito citado no meio cristão, mas é possível que nem todos compreendam seu real significado.

Por imprecisão linguística, costumamos usar indiferentemente, no português brasileiro, os pronomes “tua” e “sua”, mas, sintaticamente (segundo a função que realizam), eles são muito diferentes e remetem a situações também diferentes. Regra geral, quando se usa a forma “tua”, segunda pessoa do singular, significa que se está “falando com alguém”; o pronome “sua”, por sua vez, significa que se está “falando de alguém”.

O versículo fala em “ninguém” (terceira pessoa, de quem se fala) desprezar a “tua mocidade” (segunda pessoa, com quem se fala) e logo em seguida, usa a conjunção adversativa “pelo contrário” (indicando uma ideia de contraste ou de compensação) para vincular uma outra sentença (“torna-te padrão dos fiéis”), também na segunda pessoa. Para entender essa sequência, talvez árida e incompreensível para alguns, é necessário interpretar o contexto verbal em que o versículo se encontra.

Nesse capítulo da carta, Paulo dá recomendações e conselhos a Timóteo, a quem determinou que servisse em Éfeso (1 Tm 1:3) e, em outra ocasião, chamou de “meu cooperador” (Rm 16:21). O apóstolo aproveita a ocasião para falar aos irmãos efésios que não desprezassem o jovem, porque apesar da idade era seu colaborador na obra. A mesma recomendação Paulo fizera aos da Igreja em Corinto por ocasião de sua primeira carta (1 Co 16:10-11).

Assim, quando escreve em 1 Tm 4:12a, “ninguém despreze a tua mocidade”, Paulo está falando com Timóteo, mas referindo-se aos irmãos da igreja, especialmente, àqueles que se presumiam mestres, mas que desviavam os irmãos e promoviam a divisão, o ódio e a hipocrisia na igreja (1 Tm 1:5-7).

O versículo, porém, não se limita a “não desprezar a juventude”, não é só valorizar o jovem, com suas experiências, vitalidade e utilidade para o Senhor. Esse jovem precisa dar lastro, ou seja, precisa ter um viver modelo. Paulo menciona ser modelo na palavra, na conduta, no amor, na fé e na pureza.

Desse modo, Timóteo era encorajado a não olhar para a situação aparentemente negativa, mas, com toda diligência, buscar ser exemplo para os irmãos, com um viver íntegro e correto diante de Deus e dos homens. Paulo, seguramente confiava que, tendo Timóteo esse tipo de viver, toda oposição seria aplacada e ele se tornaria um exemplo aos demais. A boa conduta precederia o reconhecimento pela igreja do valor daquele jovem.

Usando de uma analogia, poderíamos dizer que “não se deve julgar o livro pela capa”. Entretanto, um jovem, que não observa o padrão recomendado por Paulo, não é modelo para os fiéis e, portanto, não está apto a reclamar para si a advertência de Paulo a que os irmãos não desprezassem o jovem Timóteo, que, apesar da idade, tinha um viver padrão e densidade espiritual (At 16:3, 17:14, 19:22; 1 Co 4:17; 2 Co 1:19; Fp 2:19; 1 Ts 3:2).

Por um lado, a tenra idade não é motivo para estar inutilizado na Igreja e na obra de Deus – e é isso que Paulo fala ao empregar “ninguém despreze” –, mas por outro, nós mesmos devemos nos valorizar, sendo fiéis ao que Deus nos comissionou e úteis dentro daquilo que podemos (Mt 25:20-30). No entanto, estejamos advertidos, de que não é qualquer tipo de viver que está apto a ser chamado “modelo”.

Tomemos, então, essa recomendação e vivamos como exemplos para o rebanho, cientes de que se não nos desprezarmos – “não despreza TU a TUA mocidade” ou “não despreze VOCÊ a SUA mocidade”–, não seremos desprezados. Como resultado, não só seremos verdadeiramente úteis ao Senhor, como bênçãos aos irmãos (1 Tm 3:13) e bênçãos para nossa própria carreira cristã (Lc 21:36).